Vitamina D x Covid: estudo associa déficit a casos graves, mas ‘reforço’ segue sem utilidade; entenda
Pacientes que testaram positivo para Covid-19 e que tinham um quadro histórico de deficiência de vitamina D tiveram 14 vezes mais chances de ter um caso grave ou crítico da doença do que aqueles com níveis normais do nutriente, segundo estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Bar-Ilan e do Galilee Medical Center, publicado na última semana pela revista científica PloS ONE (Public Library of Science).
Segundo a análise, um nível mais baixo de vitamina D foi mais comum em pacientes com um quadro grave ou crítico da doença (87,4%) do que em indivíduos com um quadro leve ou moderado (34,3%).
O trabalho é um dos primeiros do tipo a analisar os níveis de vitamina D presentes no sangue antes da infecção com o SARS-CoV-2.
Apesar desse ineditismo, especialistas (que não tiveram ligação com a pesquisa) ouvidos pelo g1 ressaltam que são vários os fatores que influenciam um caso grave de Covid e que, embora a vitamina D desempenhe uma importante função no sistema imunológico, ainda não é possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre níveis baixos do hormônio e um pior curso da doença. Entenda mais abaixo.
O papel da vitamina D na defesa do organismo
Desde o início da pandemia, há um debate na comunidade científica sobre a relação entre a vitamina D e um potencial tratamento contra a Covid-19, algo que não tem comprovação até o momento. Mensagens falsas divulgadas nas redes sociais associavam até mesmo que altos níveis do composto no organismo poderiam reduzir a quase zero a chance de morte pela Covid.
O estudo publicado na última quinta-feira (3), revisado por pares, não faz nenhuma associação do tipo nem recomenda uma hipervitaminose (que pode, inclusive, causar cálculos renais) com a ingestão de suplementos vitamínicos. Pelo contrário.
O que os pesquisadores sugeriram é que “o histórico de deficiência de vitamina D de um paciente é um fator de risco preditivo (antecipado) associado a um pior curso clínico da doença e à mortalidade”.
“São vários fatores que influenciam um caso grave de Covid. A vitamina D pode ser um deles. Não dá para culpar somente ela”, diz Carolina Aguiar Moreira, endocrinologista e professora do Departamento de Clínica Médica da UFPR.
A médica explica que existem receptores para a vitamina D no corpo todo e que, por isso, o hormônio apresenta uma ação potencial em vários tecidos do organismo.
A vitamina atua principalmente na saúde dos ossos, pois promove a absorção de minerais, como o cálcio e fósforo. No sistema imunológico, a vitamina D também tem o papel de regular as chamadas citocinas pró-inflamatórias e anti-inflamatórias, proteínas que atuam na resposta imune, melhorando a defesa do organismo.
“A vitamina D participa da regulação da imunidade inata e adquirida, nos protegendo de patógenos que entram no nosso organismo; além do papel na ativação da memória imunológica. Porém isto acontece quando há níveis normais de vitamina D”, afirma Sergio Setsuo Maeda, médico e vice-presidente da ABRASSO (Associação Brasileira de Avaliação Óssea e Osteometabolismo).
Metodologia é nova, mas estudo tem ressalvas
No estudo israelense, os pesquisadores olharam para a presença da vitamina nos prontuários médicos de 253 pacientes admitidos em um centro hospitalar do norte do país entre 14 dias e 2 anos antes do teste PCR positivo dessas pessoas. Esse método novo facilita uma avaliação mais precisa do que durante a internação, quando os níveis podem ser menores por consequência da doença.
Somado a isso, o estudo também avaliou fatores como idade, sexo, estação do ano (verão/inverno), doenças crônicas e encontrou resultados semelhantes em todos os aspectos, destacando que o baixo nível de vitamina D contribui significativamente para a gravidade e mortalidade da doença.
Para o dado da mortalidade, os pesquisadores calcularam que entre os pacientes com níveis suficientes de vitamina D a taxa foi de 2,3%. Em contraste com esse percentual, o grupo com deficiência de vitamina D apresentou uma taxa de 25,6%.
“[Esse] é um estudo retrospectivo, considerado não ideal para assumir condutas a nível populacional. Geralmente os mais importantes são os prospectivos, com programação e objetivos detalhados para serem atingidos com a execução das etapas de investigação”, avalia Helio Vannucchi, professor de Nutrologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.
Além dessa limitação, Vannucchi explica que os pacientes em questão incluem árabes israelenses, população culturalmente associada ao uso de vestimentas longas (o que pode implicar numa eventual diferença na produção da vitamina). Outra ressalva importante do estudo é o fato de que os pesquisadores não conseguiram avaliar se os pacientes utilizaram suplementação de vitamina D, aumentando assim o níveis normais do hormônio.
“Relação de causa efeito em medicina é um evento complicado e muito difícil”, complementa Vannuchi. “O que parece estar aceito é que provavelmente os pacientes com real deficiência de vitamina D podem ter quadros mais graves, o que muitas vezes não é possível distinguir se os níveis da vitamina eram baixos por causa da gravidade doença ou o contrário”.
Suplementação NÃO é necessária
“Nossos resultados sugerem que é aconselhável manter níveis normais de vitamina D. Isso será benéfico para quem contrair o vírus“, disse o pesquisador principal do estudo da Bar-Ilan, Amiel Dror.
Outros estudos já mostraram que a suplementação de vitamina D para pacientes com Covid-19 NÃO traz benefícios. Uma pesquisa da USP inclusive, divulgada no ano passado, revelou que a suplementação não trouxe melhoras para casos graves ou moderados (o estudo não avaliou o efeito da suplementação em pessoas com formas leves).
Para os especialistas ouvidos pelo g1, a manutenção de níveis adequados de vitamina D é fundamental.
“Isso que eu acho que é o grande recado, é manter essa vitamina D normalmente. Isso vai ser bom para o esqueleto, para o tecido muscular e provavelmente vai ajudar no sistema imunológico”, avalia a médica Carolina Moreira.
A especialista explica que a maioria da pessoas suprem suas necessidades de vitamina D através da exposição natural à luz solar, a principal fonte de sua produção. Uma simples caminhada ao sol ou ida ao parque já é suficiente para que o corpo absorva vitamina D.
“O valor seguro para a Sociedade Brasileira de Endocrinologia é até 60 ng/ml. Então não é quanto mais melhor, é o contrário. Se eu tenho uma vitamina D abaixo de 10, o meu risco de infecção existe. Mas se eu tenho uma vitamina D de 60, 70, 80, isso não quer dizer que minha proteção será aumentada”, alerta a endocrinologista.